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terça-feira, 28 de junho de 2011

GÊNERO - PROPAGANDA


A propaganda é um gênero textual que se faz presente em inúmeros lugares e das mais variadas maneiras. Podem ser classificadas como propagandas ideológicas, política, social, de produtos, de promoções e muitas outras. Elas podem ser em forma de cartazes, de banners, de mídia televisiva, de áudio, de panfletos, de etiquetas, etc.
Seu objetivo é persuadir os indivíduos e inculcar-lhes ideologicamente as vantagens e principalmente a necessidade de consumir o produto anunciado. Para alcançar este objetivo, utilizam todos os meios disponíveis existentes na língua portuguesa, unindo discursos verbais com visuais para causar um maior impacto no consumidor. A linguagem utilizada pode variar de acordo com o público alvo, precisa ser direta, clara e enxuta, marcada pelo uso da função apelativa, trocadilhos, jogos de palavras, metáforas e da ambiguidade.

A propaganda é um gênero presente praticamente em todos os meios de comunicação. Ela impõe valores, mitos e ideais. Obedece aos desejos do público e deve primar pela informação e por apelos, a fim de persuadir o destinatário. Tem por missão integrar o esforço promocional, operando no sentido de atingir o subconsciente do consumidor com a penetração do apelo, influenciando na sua decisão de compra.
É considerada uma das mais eficientes formas de comunicação de massa. A propaganda atua sobre as defesas psíquicas do homem para, mesmo contra sua vontade, despertar nele o desejo de possuir cada vez mais bens de conforto material, fazendo com que novas idéias sejam aceitas e costumes diferentes se popularizem. A propaganda funciona como uma forma de comunicação que, ao transmitir informações, induz a outros comportamentos, cumprindo, ainda, um papel de ativadora da economia através do aumento do consumo.
          Carvalho (1997) afirma que a propaganda é organizada de forma diversa. Salienta também a autora que a linguagem publicitária tem a função de tornar familiar o produto que está vendendo e, ao mesmo tempo, valorizá-lo, a fim de destacá-lo dos demais. A propaganda manipula símbolos para fazer a mediação entre objetos e pessoas.
          A função persuasiva na linguagem publicitária para Carvalho (1997, p.19) consiste em tentar mudar atitude do receptor. Para isso, ao elaborar o texto o publicitário leva em conta o receptor ideal da mensagem, ou seja, o público para o qual a mensagem está sendo criada.          
          O vocabulário é escolhido no registro referente a seus usos. Tomando por base o vazio interior de cada ser humano, a mensagem faz ver que falta algo para completar a pessoa:
prestígio, amor, sucesso, lazer, vitória. Para completar esse vazio, utiliza palavras adequadas, que despertam o desejo de ser feliz, natural de cada ser.
          Por meio das palavras, o receptor “descobre” o que lhe faltava, embora logo após a compra sinta a frustração de permanecer insatisfeito.
          Os diversos recursos empregados nas propagandas têm o poder de influenciar e de orientar as percepções e os pensamentos, conciliando o princípio do prazer e da realidade, apontando o que deve ser usado ou comprado.



JUNTOS MAS SEPARADOS 



 Não importa a cidade em que vocês estejam, com o DDD 14 você nunca está distante de quem ama A Brasil Telecom colocou esses dois marcadores, marcando páginas de cidades diferentes, dentro do Guia 4 Rodas. Criada pela Leo Burnett, do Brasil.

GÊNERO - CHARGE

A charge e um gênero textual riquíssimo em intertextualidade, permitindo que o receptor das mesmas raciocine e analise o que se faz subentender nelas.
O termo charge, em seu significado literal é entendido como um desenho de natureza caricatural, de forma satírica e humorística, em que se busca representar pessoa, fato ou idéia.  Foi uma maneira encontrada por volta do século XIX, por pessoas que se opunham a governos e queriam se expressar de uma forma inusitada, mas muitos foram reprimidos. Por outro lado, ganhou popularidade com a grande massa, o que contribuiu para que elas continuassem existindo até hoje.
O formato de texto que a charge concentra exerce grande atração sobre o leitor, devido a sua fácil leitura e também à multiplicidade de informações que ela traz. Existe a necessidade de que quem está tendo acesso a uma charge esteja inteirado com assuntos em voga no momento, para que entendam a crítica proposta pela mesma.
É por meio da charge que as linguagens verbal e não-verbal se unem em um contraste entre o que é falado e o que não é falado, mas que apesar do aparente contraste se completam em concordância. Ao leitor, é dada a possibilidade de construir sua posição sobre determinado fato, ou firmar uma idéia até então duvidosa, a utilização do humor produz uma interação entre autor e leitor.
Com a expansão da tecnologia e principalmente da internet, tornou-se muito comum a charge animada, nas quais se utilizam sons e efeitos visuais. Elas têm o mesmo intuito que a charge normal, mas são melhores aceitas por serem mais interativas.
Ao leitor das charges é dada possibilidade de desenvolver sua própria interpretação do que está vendo, que não é necessariamente a que o autor quis passar, e para indivíduos que ainda estão em processo de formação, esse é um estímulo muito importante.

Dentro da prática educacional a charge se revela muita rica em recursos de linguagem, pois possibilita a prática da leitura e auxilia na expansão do conhecimento de mundo que o aluno possui. Os alunos se interessam muito pelas charges devido seu tom humorístico, que concebe margem para múltiplos entendimentos; a interação entre o aluno e professor pode aumentar quando se trabalham conteúdos subsidiados por este gênero.




















TRABALHOS DESENVOLVIDOS EM SALA PELOS ALUNOS















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- ALMEIDA, João Ferreira de. Trad. A Bíblia Sagrada (revista e atualizada no Brasil) 2 ed. São Paulo. Sociedade Bíblica Brasileira, 1993.

2 - BASSERMANN, Lujo. História da prostituição: Uma interpretação cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

3 - CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In Textos de intervenção. s.n.t.

4 - ________. Literatura e Sociedade. 3.ed. São Paulo: Nacional, 1976.

5 - CULLER, Jonathan. Teoria Literária - uma introdução.  Trad. e notas Sandra Guardini T. Vasconcelos, Ph.D. São Paulo: Beca Produções Culturais Ltda, 1999.

6 - ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção.  Trad. Hildegard Feist.  São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

7 - ENGELS, Friedrich.  A origem da família, da propriedade privada e do estado.  Trad. José Silveira Paes. 3 ed. São Paulo: Global, 1984.

8 - FEILER, Bruce.  Abraão - uma jornada ao coração de três religiões.  Rio de Janeiro: Sextante, 2001.

9 - FERRAZ, Salma. Ordenação de mulheres - Deus escolhe pessoas ou o sexo?  UFSC, 2003.

10 - KOLONTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003.

11 - MACHEL, Samora et al. A libertação da mulher. 3 ed. São Paulo: Global, 1979.

12 - NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Edusp, 1997.

13 - OLIVEIRA, Denison. Curitiba e o mito da cidade modelo. Curitiba: UFPR, 2000.

14 - RANKE-HEINEMANN, Uta. Eunucos pelo Reino de Deus - mulheres, sexualidade e a igreja católica.  Trad. Paulo Fróes. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1996.

15 - ROSALINO, Roseli Bodnar. Dalton Trevisan e o projeto estético minimalista. Florianópoolis, UFSC, 2002 Dissertação de mestrado.

16 - SANCHES, Neto, Miguel.  Biblioteca Trevisan. Curitiba: UFPR, 1996.

17 - TREVISAN, Dalton. Virgem louca, loucos beijos.  Rio de Janeiro: Record, 1979.

18 - WALDMAN, Berta. Do vampiro ao cafajeste: uma leitura da obra de Dalton Trevisan. São Paulo: Hucitec, 1982.

19 - WILLIAMS, Derek. Dícionário bíblico vida nova.  Trad. Lucy Yamakami  et al. São Paulo: Vida Nova, 2000.

sábado, 25 de junho de 2011

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intertextualidade bíblica presente no conto "Virgem Louca, louco beijos", de Dalton Trevisan, bem como a importância da personagem feminina e sua representação social foi o que se propôs como objeto de estudo desta monografia.

Dalton, que iniciou carreira aos 20 anos, com  a Revista Joaquim, construiu sólido trajeto na escrita, mas foi no conto que seu trabalho conquistou grandeza.

O "Vampiro de Curitiba", como ficou conhecido, traz em suas obras o retrato dos excliídos pela sociedade, incorpora o tema da marginalidade e apresenta através de seus personagens o horror da exploração, quando um se converte em objeto para o outro e só resta o gosto da miséria.  Em suas narrativas Trevisan faz críticas e denúncias que vão ao fundo dos acontecimentos.  Essa sua marca de sinceridade e inquietação atinge o leitor porque Dalton apresenta aqueles que são considerados marginais.

O resultado deste estudo que foi dividido em três capítulos, apresenta em cada parte passos fundmentais para a compreensão da escrita daltoniana no conto em questão.


No primeiro capítulo, "Contextualização histórica e social da obra "Virgem louca, loucos beijos", de Dalton Trevisan, optou-se por resgatar elementos que apresentassem a protagonista e a cidade de Curitiba, pano de fundo da obra, com denúncias de uma sociedade em conflito e de indivícuos que se anulam em meio à multidão.  Essas denúncias comprovam o comprometimento do autor com seu leitor,  pois torna público o conhecimento de verdades que ninguém ignora, de verdades que não se esgotam no submundo retratado, mas que são alijadas do espaço social aparentemente imaculado.

Ainda no primeiro capítulo delineou-se um breve traçado sobre a escrita de Dalton, o que em muito ajudou para a análise da obra estudada, que por sinal traz mostras de acurada elaboração e a utilização de uma linguagem direta, enxuta e restrita, mas que revela o poder da escolha de cada palavra e sua alocação.

No segundo capítulo a abordagem realizada foi sobre a recorrêcia da intertextualidade bíblica na literatura, foco de suma importância para este estudo e que produziu resultados interessantes para análise do capítulo seguinte.  Viu-se que nenhum texto é original por si só, mas que tornado possível a partir de outro, pois se repetem e se transformam constantemente.  No caso de Dalton Trevisan e da obra escolhida para a análise, a intertextualidade bíblica presnte no texto se processa de maneira a encontrar em seus leitores uma oposição, pois é comum confundir o literário com o que se considera verdade nos texto bíblico, gerando polêmicas.  Entretanto, observou-se que o literário não nega a significação do outro com o qual está relacionado, mas que produz novos sentidos e que estes devem ser atentamente examinados, como o foram nesta análise, para o desvelamento das novas verdades, denúncias ou críticas.

Já no terceiro capítulo, foi desenvolvida uma retrospectiva histórica do papel da mulher na sociedade, um traçado de mulheres bíblicas, a análise do personagem masculino na ficção de Dalton Trevisan, bem como a analise da protagonisa.

Em primeira instância traçou-se seu perfil histórico, passando pelo surgimento da família, das vitórias e derrotas femininas no âmbito social até chegar à problemática da prostituição, que existiu desde os tempos bíblicos e ainda se faz presente, e é tratada de forma única pelo autor do conto analisado.

Em seguida traçou-se um breve relato de personagens femininas na bíblia, incluindo aquela que dá à protagonista do conto em análise seu apelido Mirinha, a jovem Miriã, buscando-se uma possível aproximação entre ambas.  Percebeu-se dessa forma, que há características nas quais elas são semelhantes.  O desenrolar de suas histórias também se assemelha, permitindo assim uma leitura intertextual. Também foram citadas Maria, mãe de Jesus, e Maria Madalena, pois o nome de Mirinha, apenas uma vez citado no conto, é na verdade Maria.

Partiu-se depois para a análise do personagem masculino, o homem no conto de Dalton, secundário mas indispensável, pois é partindo da relação da mulher com o homem, por vezes o amante, por vezes o pai, que se constrói a história da vida da personagem principal.

Finalmente, faz-se a análise da protagonista Mirinha retomando as relações intertextuais que se acredita estarem presentes na obra,  relações que comprovam o posicionamento crítico do autor diante da sociedade, com suas denúncias por vezes até agressivas.  Mirinha representa, assim, a mulher que faz escolhas erradas, a "virgem louca" que não soube cuidar da sua lâmpada, representa a jovem que retorna ao lar e não é recebida com a mesma efusão que o Filho Pródigo "homem" o é.

3 - A VIRGEM DE DALTON E OUTRAS MULHERES

3.1 - A mulher na sociedade


No decorrer da história a mulher teve uma perda considerável com o desmoronamento do direito materno.  Para KOLONTAI (2003) essa foi a primeira grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo.  Surgiu então a família patriarcal, presidida pelo pai e cuja vontade era lei.  Com isso o homem apoderou-se da direção da casa, a mulher viu-se como degradada, convertida em servidora, escrava da luxúria do homem e apenas instrumento de reprodução.

Essa baixa condição da mulher vem sendo gradualmente retocada, dissimulada e em certos casos até revestida de formas de maior suavidade, mas de maneira alguma suprimida.

O primeiro efeito do poder exlclusivo dos homens, desde que se instaurou foi assegurar a finalidade da mulher e a paternidade dos filhos.  Lembrando, entretanto, que ao homem era reservado o direito à infidelidade e que assim se caracterizava sua supremacia absoluta sobre a mulher.  Conforme Friedrich Engels (1984: p.96) "para assegurar a fidelidade da mulher e, por conseguinte, a paternidade dos filhos, aquela é entregue, sem reservas, ao poder do homem, quando este a mata, não faz mais do que exercer o seu direito".  O que nos remete novamente a Uta Ranke-Heinemann quando explica que para os judeus a relação com as esposas era de posse, como visto no capítulo anterior.

Em "Virgem Louca" o personagem masculino de Dalton Trevisan sente-se no direito de exercer esse direito de possuidor, direito até de matar se o aprouver.  Ele demonstra isso com suas ameaças: "- Se for eu te mato". (p.21)

Sobre esse direito que o homem acredita ter sobre a mulher, é possível citar a explicação:

Mary o´Brien (...) definiu a dominação masculina como o efeito do desejo dos homens de transcender sua privação dos meios de reprodução da espécie.  O princípeio de continuidade da geração restitui a primazia da paternidade e obscurece o duro trabalho fornecido pelas mulheres na maternidade e a realidade social disto.  (SCOTT: 1990 p.8)

Como também foi analisado no capítulo anterior, "o ensinamento de Jesus revoga esse privilegiado conceito masculino de adultério.  Também revoga a poligamia, que os judeus julgavam ter sido outorgada por Deus". (RANKE-HEINANN, 1996: p.46-47).  A crença masculina na sua supremacia, portanto, apesar de estar socialmente arraigada, inclusive  com o apoio da igreja, não tem a fundamentação teológica da qual se servem os seus disseminadores.

Por meio da engenhosidade feminina, todavia, sugem na história duas figuras sociais características: o amante da mulher casada e o marido traído.

De acordo com Engels (1984) com o advento da indústria, as mulheres deixaram o lar e lançaram-se no mercado de trabalho, convertendo-se muitas vezes em sutentáculo da casa, deixando desprovidos de qualquer base os restos de supremacia do homem nos lares proletários.

Neste sentido, a mulher enquanto operária é igual ao homem, aprendeu a ganhar o suficiente para   sutentar-se a si mesma e até, em alguns casos, ao marido e aos filhos.  Por outro lado, ficaram à margem a casa, a educação e até a criação dos filhos.

Dessa forma, mesmo buscando seu espaço no mercado de trabalho, alcançando diversos direitos aos quais não tinha acesso, a mulher ainda não conseguiu encontrar uma solução para resolver os impasses da vida familiar e profissional.

No conto em análise, temos dois exemplos de mulheres que ocupam o espaço determinado pelo homem para elas: a esposa que cuida da casa e dos filhos, traída e de certa foma conformada; e a amante, ingênua e sem perspectivas, que para ser aceita novamente pela família precisa negar seu passado e esquecer tudo o que aconteceu.



3.2 Bênção ou maldição

As mulheres bíblicas também são vasto material para as criações literárias oferecendo um contraponto ao universo masculino difundido pela igreja e incorporado pela sociedade cristã moderna.

No Antigo Testamenteo, em Gênesis 21, 17-21, apresenta-se a narração da primeira bênção derramada sobre o feminino - "... porque farei dele um grande povo" (v.18) -, Agar clama no deserto: "Agar é a única mulher a receber pessoalmente a divina bênção dos descendentes, o que lhe dá, de fato, o papel feminino de um patriarca.  No princípio da história, Agar ocupa o lugar de Sara; mais tarde ocupa o lugar de Abraão."  (FEILER: 2001, p.74)

Agar é a concunbina que dá a Abraão seus primogênito, Ismael, tomando assim o lugar de Sara.  No entanto, mais importante do que tomar o lugar de Sara, a esposa oficialo, é tomar o lugar de Abraão, um homem que recebeu de Deus a promessa de tornar-se uma grande nação, mesma promessa feita a ela no deserto.

Outra figura de suma importância para a cristandade é Maria Madalena, que foi transformada pela igreja em prostituta, quando há registros dela com tendo sido um dos discípulos de Cristo:

O evangelho segudo Felipe diz que Jesus amava Madalena mais que todos os discípulos.  O problema foi que a igreja aceitou pacificamente a lenda de que Madalena foi uma prostituta para contrapô-la à Maria, mãe de Jesus, a santa e imaculada.  Talvez, transformando Madalena numa prostituta, a igreja tenha tentado minimizar o seu papel de líder  (FERRAZ: 2003, p.01)

Dessa forma, Madalena teria um papel tão ou até mais importante que os outros discípulos.

Nem sempre a mulher foi tido como inferior ao homem, os relatos bíblicos, assim como a história, mostram que  prestígio fo feminino veio resolver os anseios masculinos:

A mulher, assim  como o homem, foi feita à imagem de Deus(Gn1,27), nas leis dos hebreus, a mãe devia ser honrada (Êx. 20, 10) e podia ser proprietária de terras em seu próprio nome se não houvesse herdeiros masculino.  (...) Posteriormente, por causa dos ensinos rabínios, as mulheres passaram a receber um papel inferior. (WILLIAMS, 2000: p.243)

Uma das figuras mais importantes da bíblia é Maria, a mãe de Jesus.  Entretanto, sobre ela não se sabe muita coisa.  A igreja a tem como virgem imaculada, o que de acordo com Uta Ranke-Heinemann (19996: p.74) é uma outra invenção para confirmar a demonização da sexualidade:

O relato da vida de Maria - mãe de Jesus nos evangelhos - é extremamente complicado dentro da história do Cristianismo, pois há muitos pontos obscuros sobre sua biografia, e nos quatro evangelhos sua figura é quase que 'eclipsad' nos relatos.  (FERRAZ, 1988: p.72)

Nos relatos bíblicos fica clara a valorização das mulheres por parte de Jesus, até mesmo na figura de sua mãe: "No Novo Testamente Jesus manteve contato com algumas mulheres.  Sua própria mãe era 'bendita' por Deus (Lc 1. 28,42), e Jesus na cruz a entregou aos cuidados de João (Jo 19, 26)". (WILLIAMS, 2000: p.243)

A opressão à mulher, no entanto, se faz presente na sociedade que se pretende moderna, universalmente, não apenas na ciedade em que o conto é ambientado.  E a sociedade baseia seus preceitos nos ensinamentos das entidades que exercem maior influência sobre ela, como na igreja, por exemplo.  A igreja por sua vez, afirma basear suas prerrogativas nos ensinamentos de Cristo, mas parece que os distorce algumas vezes, como é possível observar quando se trata de discutir o papel da mulher na sociedade.  Enquanto a igreja reprime a sexualidade e o feminino, há relatos que mostram que o comportamento de Jesus era diferente:

Jesus perdoava, ensinava e curava mulheres assim como fazia com os homens, e elas por sua vez, o serviam e lhe supriam as provisões necessárias; desse modo, colocava-as em pé de igualdade com os homens, exigia delas os mesmos padrões e lhes oferecia a mesma salvação oferecida aos homens.  Depois da ressurreição, as mulheres receberam o Espírito Santo (At 2, 1ss, 18);a casa de uma mulher veio a ser o centro da igreja em Jerusalém (At 12, 12); foi uma umlher a primeira pessoa na Europa a se converter no ministério de Paulo (At 16, 14);  e na igreja primitiva as mulheres exerciam ministérios importantes (e.g., At 21, 9).  Paulo, ao estabelecer o princípio da igualdade dos sexos diante de Deus (Gl 3, 28); lidou com as situações locais exigindo que as convenções daquela época fossem observadas." (WILLIANS, 2000: p. 243)

Não por acaso, a protagonista do conto analisado se chama Maria, nome pelo qual, como já foi dito, só é chamada uma única vez.  Nas demais vezes é chamada de Mirinha, o que pode ter alguma relação com a Miriã bíblica, irmã de Arão e Moisés, mulher de destaque em seu tempo:

Há muitos exemplos de mulheres na bíblia, como Miriã e Débora, que desempenharam papel importante na vida nacional, e da grande influência contra a verdadeira religião exercida por mulheres como Jezabel.  (WILLIANS: 2000, p. 243)

Assim, também a Mirinha de Dalton Trevisan pode simbolizar o papel da mulher na vida nacional, mulher que tenta se libertar, mas não consegue, pois quando sai debaixo do jugo do amante volta para a opressão da casa paterna.

A Miriã bíblica teve um importante papel ao acompanhar seu irmão Moisés na tarea de conduzir o povo hebreu para a Terra Prometida dirigindo os cânticos de louvor e de agradecimento.  No entanto, como Mirinha no conto, ela também teve um conflito, que é relatado em Números 12:

Miriã e Arão falaram contra Moisés em razão da mulher etíope que este tomara; porque tinha tomada uma etíope.
E disseram: Por acaso o Senhor falou apenas por Moisés? Não falou também por nós?
E o Senhor ouviu isto.
Mas Moisés era homem muito manso, mais do que todos os homens sobre a terra.
E de repente o Senhor disse a Moisés, a Arão e a Miriã:  Saí vós três à tenda da congregação. E eles saíram.
E o Senhor desceu numa coluna de nuvem, e se colocou à entrada da tenda; e chamou Arão e Miriã, e ambos saíram.
E ele disse: Escutai, agora, minhas palavras: se dentre vós houver profeta, eu o Senhor, me farei  conhecer em visão, e falarei a ele em sonhos.
Mas com seu servo Moisés, que é fiel em toda minha casa, não é assim;
Eu falo com ele boca a boca, abertamente e não em enigmas; pois ele vê a imagem do Senhor.  Por que não temestes falar contra o meu servo Moisés?
E a ira do Senhor se inflamou contra eles; e Ele se retirou.
E a nuvem se retirou de sobre a tenda; e esis que Miriã ficou leprosa, como a neve; e Arão se voltou para Miriã  e eis que ela estava leprosa.
E Arão disse a Moisés: Meu senhor, por favor! Não  coloque sobre nós este pecado porque agimos como loucos, e pecamos.
Não seja ela como um morto que sai do ventre de sua mãe, com a metade de sua carne já consumida.
E Moisés clamou ao Senhor dizendo: Ó Deus, por favor, cura-a.
E o Senhor disse a Moisés: Se o pai dela tivesse cuspido em rosto não estaria envergonhada durante sete dias? Fique, pois, isolada durante sete dias fora do acampamento, e depois seja trazida de volta.
E Miriã ficou confinada fora do acamapamento durante sete dias; e o povo não partiu, até que Miriã fosse trazida de volta.  E depois o povo partiu de Hazerote, e se acampou no deserto de Parã.

É interessante observar a referência feita ao pai, como se o crime por ela cometido fosse uma ofensa direta a ele, como no conto, sua presença na casa não pode mais ser tolerada pelo pai, e como ao fim do período em que ficou isolada da família o pai a recebe como se ela jamais tivesse saído de casa:  seriam estes os mesmos sete dias em que Miriã fica confinada fora do acampamento?

Talvez seja possível uma relação entre as personagens, levando-se em conta a teoria da utilização dos espaços vazios deixados na bíblia.  A história de Mirinha pode ser a história de Miriã durante os sete dias em que ficou isolada dos demais, criada pela imaginação de Dalton Trevisan.


3.3 - O homem na ficção de Dalton


O homem no conto de Dalton Trevisan reinvidica os direitos que acredita serem seus, direito de ser infiel e ao mesmo tempo de exigir fidelidde, como pode ser observado em Engels (1984: p.100) "agora, como regra, só o homem pode rompê-los  e repudiar a sua mulher.  Ao homem se concede igualmente o direito à infidelidade conjugal (...) e esse direito exerce-se cada vez mais amplamente, à medida que se processa a evolução da sociedade".

Já no início do conto fica claro que João é um homem casado e ele faz com que pareça natural procurar outra mulher: "-Minha mulher não me compreende. Mais nada entre nós.  Fez de minha vida um inferno.  Só pena dos filhos não me separo".  (TREVISAN, 1979: p.11)

Faz com que a mulher, traída e abandonada, seja também a culpada pela traição, pois ela não o "compreende".  E engana a jovem amante com promessas:  "Teu futuro é ao meu lado.  Aqui na firma. Não atrás do balcão".  (TREVISAN, 1979: p.11)

A esposa, nesse modelo familiar, serve para cuidar da casa e dos filhos, conforme Machel et al (1979: p.39):  "O burguês pensava e pensa ainda que a mulher deve ficar em casa e consagrar a sua atividade à direção dos trabalhos domésticos, tratando do marido, concebendo e criando os filhos".  É o que acontece à esposa de João, que vive para cuidar dos filhos:  João tem mulher - ai, que antipática - e quatro filhos, de um a sete anos".  (TREVISAN,  1979: p.12) É interessante observar ainda que, mesmo sabendo da traição do marido ela continua mantendo relações com ele e concebendo seus filhos, pois estes são quatro no início do conto, mas ao longo da história passam a ser cinco e por fim seis.

Esse homem, ciente de todos os seus direitos como macho, não se importa com a jovem amante, é indiferente às suas sensações:  "Deita-se sobre ela - e entra nela.  Que dá um berro de agonia:  o cigarro aceso na palma da mão.  Mas você pára? Nem ele".  (TREVISAN, 1979: p.13) Ele não se preocupa com a dor e sofrimento da mulher, está tomado pelo próprio prazer.

Em relação à pergunta dirigida "você pára?" que parece interpelar o leitor, provocando-o, colocando-o no mesmo patamar de João.  É válido lembrar que Dalton, como artesão das palavras que é, utiliza-se aí do recurso da comunicação encenada na narrativa, que faz parte da história, nesse caso tem-se o narrador interpelando também a jovem Mirinha.

Conforme Machel et al (1979: p.24) "desde criança a moça é educada diferente do rapaz, sendo-lhe inculcado um sentimento de inferioridade". Assim, Mirinha aceita a situação, apesar de lher causar o sofrimento.

Sobre o pai de Mirinha pouco se sabe, ele aprece mais uma presença espiritual do que física, é a mãe que a expulsa de casa: "- Escolha. Teus pais ou teu cafajeste.  Por mim te odeio.  Para mim é mais nada.  Rua, vagabuda, rua."  (TREVISAN, 1979: p.16)

A presença masculina na família é descompromissada: "O pai sofre do coração e não pode se incomodar, sempre no boteco".  (TREVISAN, 1979: p.15) Fica claro nesta passagem que a responsabilidade pela educação das filhas é a mulher, como no modelo tradicional de família.

Longe de casa ela sonha com o pai "caindo ali da janela.  Olha para ela, tão triste:  Você errou, minha filha.  Você errou.   De braço abertos salta no vazio.  Sò por tua causa". (TREVISAN, 1979: p.19) Mais tarde sabe-se que o pai realmente sofria do coração, pois tem um ataque.  O sonho mostra o quanto a aprovação do pai é importante para a protagonista.

Assim, durante seu isolamento da família, não se tem novamente notícia do pai, que surge novamete apenas na conclusão, da caminhada de Mirinha, como também acontece com o Filho Pródigo na bíblia (Lucas 15, 20-24)

Quando ele ainda estava longe, seu pai o viu e, cheio de compaixão, correu, o abraçou e o beijou.
O filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; não sou digno de ser chamado te filho.
Mas o pai disse a seus servos:  Trazei depressa a melhor roupa e vesti-o, ponde um anel em seu dedo e sandálias nos pés.
Trazei também e matai o novilho gordo.  Comamos e alegremo-nos,
Porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.  E começaram a alegrar-se.

No entanto, ao contrário da história bíblica, a personagem de Trevisan não é recebida com a mesma alegria. É interessante notar que na bíblia temos a história de um filho, e Dalton Trevisan escreveu sobre uma filha, mostrando que a mulher não é recebida pela famíla com o mesmo entusiasmo que o homem e foi:

A voz rouca do pai:
- Quem está aí?
- Alegre-se, meu velho.  Ela voltou.
- Essa gorda?
Acorda no meio da noite.  Escuta-o que, de mansinho acende a luz e fica longamente parado na porta.
De manhã pai e filha cruzam na cozinha sem uma palavra.  Para os dois ela nunca saiu de casa. (TREVISAN, 1979: p.59-60)

Como parábola - e começaram a alegrar-sem - também no conto a palavra alegria se faz presente, entretanto mais como uma súplica, que aliás não parece ser atendida - Alegre-se meu velho.  Novamente é a mãe que estabelece as regras e recebe a filha, o pai a recebe com repulsa, chamando-a de gorda.  Não há diálogo entre eles.


3.4 - A virgem imprudente


Mirinha, ao romper definitivamente com João, tomou ares de mulher moderna e decidida.

Entretanto, um rápido estudo basta para nos convencer de que esse novo tipo de mulher que se imagina que irá surgir depois do rompimento é falso.

A protagonista, mulher de emoções diversas, não realizadas, ou ainda, frustradas, apresenta necessidades diferentes do que se imagina para alguém que abandona a família para viver um relacionamento sem futuro aparente, pois João é casado e deixa mostras evidentes de que não quer se separar.

Mirinha, ex-virgem, é incapaz de aprender e crescer ao lado de seu amante; depara-se com muitas dificuldades e sua figura ao lado dele é curva e servil, pois aceita passivamente, em primeira instância, os desmandos de João.

Depois de sua ida ao Rio de Janeiro com a irmã Lili, volta liberta do jugo de seu amante, pois sua feição psicológica já é outra, encontra-se agora em um outro patamar.  Quer se libertar de João e pede ajuda ao pai dele para isso: "-Me persegue dia e noite.  Assim perco o emprego. Já sofri demais. Que fique com a mulher e os seis filhos". (TREVISAN, 1979: p.34) Interessante observar aqui a forma como o narrador declara que João continua com sua esposa, pois os filhos que no início eram quatro, depois cinco, agora são seis.

João deixa de procurá-la, está livre.  Mesmo assim, continua desprovida de direção e como prova disso cai nos descaminhos da vida.  Vencido o "obstáculo João", é absorvida ainda mais pelo submundo, bebidas e cigarro como vícios incontroláveis e como moradia, uma casa que funcionava como bordel.

O período que viveu fora da casa dos pais deixou em Mirinha uma nódoa sombria. Não se sentia à vontade ante as orgias transcorridas no bordel em que morava e demonstrava asco às aproximações tanto masculinas quanto femininas que desejavam seus atrativos sexuaisa: "O mais bravo senhor traz chicotinho e pede para apanhar. O mais bem vestido é o maior tarado. Deixa de contá-los, são mais de mil.  Com nem um só, nem uma vez ela goza".  (TREVISAN, 1979: p.48)

Mirinha não está à vontade com o meio que a cerca, não está satisfeita, talvez não queira se tornar prostituta.

Leva-a pela mão para o quarto.  Tira a camisa - seio bonito. Tira a calça - tanga branca.  Nossa, braço e perna mais cabeludos.  Ela pensa: Jesus, isso não é mulher. É homem.
- Faça de conta que é um programa. Tire a blusa.
Deixa-a de sutiã e calcinha. Começa a beijar.
- Zezé, pare com isso.
Resmunga palavrão, geme e suspira.
- Não faz mal. Com o tempo você entende.
Vestem-se e saem do quarto.
- Hoje não deu certo.
Estende uma nota grande para cada uma.
- Paz e amor. Eu te aviso, bicho.
Tia Uda muito curiosa:
- O que você sentiu?
- Senti nojo.  Não pude aguentar. (TREVISAN, 1979: p.35-36)

Lujo Bassermann afirma em História da prostituição - uma interpretação cultural (1968: p.01) que "reconhecer nos favores femininos o mais antigo objeto de comércio da humanidade não constitui, por certo, um pensamento agradável", mas é preciso lembrar que esta é a mais antiga profissão, pois Engels, ao retratar um perfil histórico das mulheres, relata que a entrega por dinheiro foi, a princípio, um ato religioso: era praticado no templo da deusa do amor, Afrodite, e primitivamente o dinheiro ia para as arcas do templo (1984: p.105).  Sendo assim, as hieródulas (bailarinas do templo) formam as primeiras prostitutas. 

Hoje a prostituição tomou outro caráter, distanciando-se da sua face religiosa, "por mais longo que tenha sido esse caminho, a prostituição, como um vampiro, se manteve sempre montada às costas da sociedade, por nada se deixando alijar dali". (BASSERMANN, 1968: p.389) É esse tipo de prostituição, é essa profissão que se apresenta no caminho da protagonista do conto, e ela tem uma escolha a fazer.

Apesar dos conflitos na vida amorosa a protagonista tem os mesmos anseios das jovens donzelas casadoiras do século passado: "Ai, meu Deus... Preciso de um homem.  De um emprego. Arrumar a minha vida." (TREVISAN, 1979: p.44)

A vida da moça, Mirinha, é replea de problemas psicológicos e acontecimentos que a macularam. 
O que desde o início aniquilou seus sonhos:  "Daí ela chora muito.  João tem mulher - ai, que antipática - e quatro filhos, de um a sete anos".  (TREVISAN, 1979: p.12);  mostra arrependimento e saudade do pai "Sem ânimo de ouvir disco nem ligar tevê.  Ela tem um sonho:  o pai caindo ali da janela (...) Ela acorda chorando".  (TREVISAN, 1979: p.19)

Percebe-se aí o violento combate que se desenvolve na alma, no interior de Maria, ou Mirinha.  A angústia é causada pela saudade de casa e do convívio familiar, ainda que este esteja desestruturado.  Neste momento o texto se aproxima muito do relato bíblico do Filho Pródigo, no momento em que anseia voltar para a casa do pai:

Ele desejava fartar-se das bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada.  Então caiu em si e disse:  Quantos empregados de meu pai tem pão com fartura, e eu aqui morrendo de fome!  Eu me levantarei e irei até meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o cé e contra ti. (Lc, 15, 16-18)

Assim como Mirinha, este filho também se arrepende e quer voltar para casa, a diferença está, como já foi dito anteriormente, na recepção de ambos por seus pais.  A moça é recebida com frieza enquanto o rapaz é recepcionado com efusa e festa.  Pode-se talvez  busccar aí algum indício da crítica de Dalton à sociedade machista, que aceita que os homens satisfaçam seus desejos e não os condena por isso.  Já a mulher deve se manter pura, imaculada, para que assim mereça ser bem tratada.

Em meio à confusão em que se encontra Mirinha também se arrepende: "- Onde vim parar? Eu não sabia. Nunca esperei isso".  (TREVISAN,1979: p.41)

Também Dalton faz a descrição da desgraça de Mirinha, como há no texto bíblico a descrição do Filho Pródigo, e da mesma forma neste momento a protagonista lembra do pai:

Assim como a protagonista da parábola, ela decide voltar para casa:  "Cansei dessa vida.  De ser lixo". (TREVISAN, 1979, p.58) No entanto, como já foi dito, sua recepção não tem o mesmo calor descrito no evangelho de Lucas, talvez por ela ser uma das virgens imprudentes:

Uma segunda-feira de junho.  Veste a roupinha, Chega em casa às quatro da tarde.  A mãe na cadeira de palha ao lado do foga de lenha.
- Aqui estou.  A mãe com tempo de pensar.  Já decidiu com o pai. Me aceita ou não.
- Falei com teu pai.  Os dois pensamos bem.
- posso voltar?
- tem uma condição.
- ...
- começa vida nova.  (TREVISAN, 1979: p.58)

 O único momento de carinho entre mãe e filha é descrito em seguida: "A mãe fica de pé e abre os braços(...) chorando abraçadas no limiar do quarto - vazio como da última vez".  (TREVISAN, 1979: p.58)

As últimas palavras do conto comprovam que exite uma grande diferença entre a forma como o Filho Pródigo é recebido por seu pai,  com alegria, e a forma como Mirinha é recebida, também pelo pai, com indiferença: "De manhã pai e filha cruzam na conha sem uma palavra.  Para os dois ela nunca saiu de casa". (TREVISAN, 1979: p.60)

O pai ignora tudo o que se passou com a filha no período em que ela esteve fora, ela é obrigada a apagar tudo, suas roupas são queimadas, seus objetos deixados para trás, ele prefere fingir que esta é a mesma menina de antes, sem mácula, sem pecado, pois só assim pode aceitá-la de volta em casqa.

A virgem louca, então precisa fingir que foi sensata paa que tudo esteja em seu devido lugar.

domingo, 5 de junho de 2011

2 - DA RECORRÊNCIA DA INTERTEXTUALIDADE BÍBLICA NA LITERATURA - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

De acordo com diversos teóricos da literatura, e alguns deses serão citados a seguir embasando esta pesquisa, a presença de outros textos em um texto literário específico é mais do que um simples recurso, é fator intrínseco para a obra literária.  O que este capítulo se propõe a apresentar é com em alguns casos essa intertextualidade tem ocorrido usando-se o texto bíblico como base, além de discorrer sobre os teóricos do próprio fenômeno da intertextualidade e, por fim, analisar a carga de significados que traz a escolha da protagonista feminina no conto em estudo.

Segue, então, a apresentação de personagens e/ou passagens bíblics que serviram como base para a construção de algumas obras.


2.1 - Bíblia e literatura

De acordo com Sandra Nitrini (1997: p.55) "pode-se dizer que, por muitos séculos, essas três histórias - a história de Tróia, a história de Ulisses, a história de Jesus - em sido suficientes à humanidade".  Talvez isso explique a constante referência de autores de diversas épocas a esses textos e no caso do autor escolhido para análise nesta monografia,  Dalton Trevisan, a referência ao texto bíblico.  Neste caso a Bíblia é o que Jenny apud Nitrini (1997) chama de texto centralizador, aquele que mantém o comando do sentido.  Essa intertextualidade não pode ser vista como uma adição confusa de influências, é antes a transformação e assimilação dessas influências.

A bíblia, assim, fornece histórias e personagens que são recontados por esses autores, seja fazendo recortes de textos, seja fazendo referência a alguma passagem determinada ou até nomeando um romande, como é o caso de Esaú e Jacó, de Machado de Assis, história de dois irmãos, que semelhantemente aos personagens bíblicos, vivem em constante disputa.

Na contemporaneidade essa tendência se mantém, pode-se até afirmar que se fortalece.  Entre os autores que se utilizam dessa recorrência é possível citar o português José Saramago, autor de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, obra em que Jesus é o personagem que conta sua própria história; e o norte-americano Dan Brown, autor do best-seller O código Da Vinci, que narra a história de Robert Langdom, um simbologista de Harvard que se vê incriminado pelo assassinto do curador do Museu do Louvre e precisa perseguir pistas para desvendar um antigo segredo do Priorado de Sião.

Além destes, pode-se citar ainda Moacir Scliar, com A mulher que escreveu a bíblia, um texto descontraído em que uma das esposas de Salomão, moça feia, conforme o texto, é descrita como a autora real da bíblia; e Dalton Trevisan, autor do conto escolhido para esta análise.  Além do conto "Virgem louca, louco beijos", que empresta seu título à obra em que está inserido e é objeto deste estudo, Daton Trevisan também faz referência ao texto bíblico no título de outro conto da mesma obra: "Oquinto cavaleiro do apocalipse".

O conto "Virgem louca, loucos beijos" é considerado por José Paulo Paes apud  Rosalino (2002: p.113)´"uma espécie de novela ou micro-romance e possui um jogo intertextual com o livro bíblico de Mateus 25:1-13 sobre as virgens loucas e as prudentes", intertextualidade que será explorada no terceiro capítulo desta pesquisa.

E é o jogo intertextual abordado acima, que se pode afirmar sempre presente na obra literária, de uma forma ou de outra, que será discutido a seguir.


2.2 - Jogo Intertextual

A intertextualidade é um recurso literário riquíssimo amplamente utilizado, seja feito de maneira intencional, seja motivado por leituras e conhecimento de mundo do escritor.  Para Kristeva apud Nitrini (1997: p. 161) "todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto.  Em lugar de noção de intersubjetividade, instala-se o da intertextualidade e a linguagem poética lê-se, pelo menos, como dupla".

No caso de "Virgem louca, loucos beijos", a referênca evidente no título à passagem de Mateus dá indícios do percurso que será trilhado pela protagonista.  No entanto, há outra referência bíblica neste conto, não tão clara e talvez por isso despercebida por muitos teóricos: Maria, ou Mirinha, como é constantemente chamada a personagem, repete a história do filho pródigo, encontrada em Lucas 15, 11-32.

Dalton Trevisan reescreve a parábola do filho pródigo, transformando-o, no entanto, em muher, a Maria constantemente presente em sua obra, uma das virgens insensatas, ou virgem louca, como ele a denominou.

Pode-se dizer que o recurso de intertextualidade na literatura é rico, seu estudo também o é.  Baktin apud Nitrini (1997: p.161) estabelece um conceito de ambivalência que comprova essa riqueza textual:  "o autor pode se servir da palavra de outrem para injetar um sentido novo, conservando o sentido que o enunciado já tinha.  Disso resulta que o enunciado adquire duas significações, torna-se 'ambivalente' (...)".  O texto, dessa forma, não nega a significação daquele com o qual se relaciona, pelo contrário, ele se apropria dos significados já existentes para produzir outros, por isso é ambivalente, pois contém o novo sem negar o anterior.

Trevisan utiliza duas parábolas muito conhecidas no mundo ocidental cristão para contar o drama, sem ser melodramático, da mulher curitibana, que é acima de tudo mulher.

Sandra Nitrini (1997) explica a estética da recepção, que cria a perspectiva de que a inflência de uma texto sobre o outro não se veja mais como apenas casual, mas como resultado complexo da recepção.  A intertextualidade, portanto, não acontece ao acaso.  Não é ao acaso a referência do autor às parábolas acima citadas, nem é ao acaso a escolha da personagem feminina, que percorre o mesmo caminho que no texto bíblico foi trilhado por um homem.

Essa ambivalência de sentidos implica também a inserção da história e da sociedade no texto e deste na história, além de desvanecer a noção de "pessoa-sujeito da escritura", tema tratado com especial atenção por Umberto Eco, que esclarece que o leitor é fundamental na história, pois ela "pede ao leitor que preencha toda uma série de lacunas.  Afinal (...) todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho" (ECO, 1999: p.9).

Cabe aqui lembrar o conceito de leitor modelo discutido por Eco, o leitor ideal para cada tipo de texto tido como colaborador, diferente dos leitores empíricos, que são todos aqueles que leem. O leitor-modelo consegue reconhecer a intertextualidade que há na leitura, conhece as referências, percebe as relações e pode possivelmente sondar as intenções na obra.  O leitor-modelo de um texto em que há referências bíblicas conhece a base para essas referências e é capaz de analisar a influência de um sobre o outro, reconhece o duplo sentido incutido nele.

Sobre isso Umberto Eco (1999: p.91) afirma "parece que os leitores precisam saber uma porção de coisas a respeito do mundo real para presumí-lo como pano de fudo correto do mundo ficcional".  Assim, o leitor-modelo é aquele que consegue identificar o "pano de fundo correto" do mundo real para determinada obra literária, estabelecendo as relações que proporcionarão a leitura dos possíveis sentidos do texto.

A análise de referência do texto bíblico na literatura tem como fundamentação estudos de literatura comparada, o estudo das relações entre duas ou mais literaturas, entre duas obras, entre obra e autor, entre autor e autor.

Os estudos de literatura comparada foram introduzidos na USP por Antonio Cândido em 1962.  Segundo Sandra Nitrini (1997: p.28)

          Literatura comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um país particular, e o
          estudo das relações entre literatura, de um lado, e outras áreas de conhecimento e da crença,
          tais como artes (ex. pintura, escultura, arquitetura, música) filosofia, história, ciências sociais,
          religião, etc.  Em suma, é a comparação de uma literatura com uma outra ou outras, e a
          comparação da literatura com outras esferas da expressão humana.

Percebe-se assim a possibilidade de se fazer um estudo enfocando a intertextualidade de passagens ou personagens bíblicos na literatura, obervando como se dá esse processo, quais os sentidos que a releitura de uma obra como a bíblia podem criar em outro contexto, quais as reflexões que esse novo texto é capaz de provocar.

Jonathan Culler (1999: p.40) explica o conceito de intertextualidade afirmando que "teóricos recentes argumentaram que as obras são feitas a partir de outras obras: tornadas possíveis pelas obras anteriores que elas retomam, repetem, contestam, transformam".  Assim, toda 'obra literária está repleta de referências, mesmo que despercebidas, a outras obras em meio às quais existe: "ler algo como literatura é considerá-lo como um evento linguístico que tem significado em relação a outros discursos (...)".  (CULLER, 1999: p.40). A intertextualidade, portanto, pode ser repensada como inerente à literatura, fazendo parte dela não apenas como recurso, mas como princípio para que a obra seja literária.

Sandra Nitrini (1997: p.167), no entanto, esclarece que "intertextualidade e influência constituem conceitos que funcionam bem operacionalmente para se lidar com manifestações explícitas, mas sua instrumentalização para se analisarem ocorrências implícitas dificilmente apresenta resultados satisfatórios, pois estas dependem muito da erudição do leitor".  Embora o conto analisado neste trabalho mostre explicitamente em sua relação com o texto bíblico, ainda assim é necessário que o leitor tenha o conheciemnto prévio das passagens a que ele se refere para que se possa estabelecer as relações necessárias, e mais, que perceba que aquele é um texto literário diferente da bíblia, o que fará dele o leitor modelo para essa obra de Trevisan.

Um dos problemas enfrentados pelos autores de obras de ficção em que ocorre a intertextualidade bíblica é a oposição encontrada em leitores empíricos que confundem o texto literário com o que consideram a verdade do texto bíblico.  Pode-se dizer ainda que, em alguns casos, essa polêmica é positiva para o escritor, como é o caso de Dan Brown, já que se reverte em cifras.

Umberto Eco (1999: p.81) indica um caminho para a leitura da obra literária:

          A norma básica para se lidar com uma obra de ficção é a seguinte: o leitor precisa aceitar
          tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge chamou de: "suspensão da descrença".  O
          leitor tem de saber que o que está sendo narrado é uma história imaginária, mas nem por isso 
         deve pensar que o escritor está contando mentiras.  De acordo om John Searle, o autor
         simplesmente  finge dizer a verdade.  Aceitamos o acordo ficiconal e fingimos que o que é
         narrado de fato aconteceu.

Dessa forma, o leitor sabe que o que está sendo narrado não é "verdade", no entanto, também sabe que não é mentira, já que é a verdade do texto.  Este mesmo teórico afirma ainda nessa obra que em geral as pessoas cohecem esse acordo ficcional e o acietam, mas que a partir do momento em que a obra alcança um número maior de leitores não se pode ter certeza de ques saibem desse acordo.  É talvez por esse motivo que obras que fazem referência à bíblia, livro sabrado para muitos, geram tanta polêmica quando alcançam popularidade.

Conforme Rosalino (2002: p.10):

          Umberto Eco nos acautela a não procurar o autor no escritor real, porque a função 
         autor comporta uma pluralidade de "eus".  Tampouco devemos procurar a realidade na ficção
         ou menosprezar a importância do leitor na narrativa ficcional, que ele chama de bosque.  Ele 
         usa a metáfora criada por Borges: se um bosque é um jardim com caminhos que se abrem em
         muitos outros caminhos, na narrativa ficcional é o leitor quem decide por qual caminho
          seguir.  Em algumas ocasiões, o narrador deixa o leitor livre para imaginar a continuação da
          história. 
Umberto Eco (1999: p.91), coforme já citado no capítulo anterior, também explica a relação do mundo real com o mundo ficcional:

Os mundos ficcionais são parasitas do mundo real, porém são com efeito 'pequenos mundos' que delimitam a maior parte da nossa competência do mundo real e permitem que nos concentremos num mundo finito, fechado, muito semelhante ao nosso, embora ontologicamente mais pobre.
          O teórico explique que por um lado o mundo real é mais abrangente do que o ficcional, já que este último é uma espécie de recorte do real, é apenas uma parte dele, pois conta a história de alguns  poucos personagens em um tempo e local definidos, e por outro lado é mais abrangente,  pois ele se estende infinitamente como a inaginação, não tem limites.

Ainda conforme Eco (1999: p.93)

          (...) ler ficção significa jogar um jogo através do qual damos sentido à infinidade de coisas que
          aconteceram, estão acontecendo ou vão acontecer no mundo real.  Ao lermos uma narrativa,
          fugimos da ansiedade que nos assalta quando tentamos dizer algo de verdadeiro a respeito do
         mundo.

Dessa forma, pode-se afirmar que no mundo ficcional há espaço não só para o que é possível no mundo real, coisas que talvez não aconteceram, ou ainda não aconteceram, mas também para aquelas que poderaim ter acontecido e podem talvez vir realmente a acontecer um dia.  Assim, as narrativas em que há intertextualidade bíblica trabalham com essa possibilidade, se aproveitando dos vazios que este texto deixa incorporando a eles as possibilidades que nos variados recursos linguísticos e literários permitem, ou então, criando a partir dele sentidos diversos daquele original.

Nesse mundo ficcional, de acordo com Umberto Eco (1999), encontra-se a sensação confortável de verdade em que se pode confirar, indiscutível, já que a partir do momento em que se aceita o jogo ficcional a verdade passa a ser aquela da narrativa, enquanto o mundo real parece mais "traiçoeiro".

Nesse jogo de possibilidades, a personagem Mirinha do conto "Virgem louca, loucos beijos" abre espaço para diversas abordagens, especialmente em relação à representação do feminino na literatura e também na sociedade, bem como da forte influência da igreja católica na visão que se teve (ou se tem?) da mulher por muitos séculos, questão que será abordada a seguir.


2.3 Maria X Jõao

A escolha de uma personagem feminina para protagonizar o conto "Virgem louca, loucos beijos", de Dalton Trevisan, não pode ser vista como aleatória.  Como já foi explicado anteriormente, neste conto o autor reescreve a trajetória do filho pródigo feita por uma mulher: Maria, ou Mirinha, como ela e nomeada na maioria da vezes.  "Virgem louca" pode ser considerado um conto de mulheres, pois são elas o foco da obra, o que será mais amplamente discutido no próximo capítulo.

A escolha por uma protagonista feminina retoma uma discussão de longa data, como se pode observar no estudo feito por Sama Ferraz:

o debate em torno do sagrado feminino evoluiu um pouco nos últimos séculos.  Se na Idade Média discutia-se se mulher tinha alma e se era instrumento do demônio, na virada do século XXI, discute-se se o feminino é digno de ser consagrado ao ministério.  (2003: p.4)

Ao longo dos séculos as mulheres foram tidas como inferiores aos homens, teoria difundida pela igreja católica.  Talvez seja possível afirmar que essa é uma herança da qual a sociedade contemporânea ainda não tenha se livrado, o que justifica de certa forma a escolha do rumo determinado para Mirinha na narrativa de Trevisan.  Coforme Uta Ranke-Heinemann (1006: p.17) "a imagem que oferecem (as mulheres) é de inferioridade.  Só servem para ter filhos, a menos que se dediquem à auto-santificação, como fazem as virgens".  Essa é, de acordo com a autora, a visão da igeja já desde o século IV, como papa Siríco.

Este mesmo papa

rotulou de crime o fato de sacerdotes continuarem a manter relações com as esposas depois da ordenação.  Chamava tais relações de 'obcoena cupitidas'.  No começo da evolução do celibato, a maioria dos padres ainda era casada, embora mesmo antes de 1139 não lhes fosse permitido casar depois da ordenação.  À partir daquele, ano contudo, não mais lhes era possível o casamento válido: a ordenação o tornava inválido. (RANKE-HEINEMANN, 1996: p.18)

A sexualidade e, consequentemente, a mulher foram vistas de maneira negativa ao longo da história, como comprova Ranke-Heinemann (1996: p.22) ao citar estudos de Foucault:

Em sua 'História da sexualidade', Michael Foucault (1984) procura ouvir essas vozes da Antiguidade.  Segundo Foucault, nos ois séculos da Era Cristã, a atividade sexual foi julgada com severidade crescente.  Os médicos recomendavam a abstinência, aconselhavam a virgindade e não a busca do prazer.

A única justificativa para o sexo era (ainda é?) a procriação, de acordo com a mesma autora (1996; p.25): "A noção de que o sexo tem de ter finalidade procriadora, caso contrário será vista sob o estigma negativo do prazer, e não à luz do amor, deixou marca duradoura no cristianismo".  Talvez isso explique, obiamente não justificando, a persitência da igreja católica em posicionar-se contrariamente ao uso de anticoncepcionais, mesmo numa era devastaea pela miséria e pela AIDS.

Uta Ranke-Heinemann (1996: p. 46) explica que para os judeus "a esposa era considerada não um companheira ou parceira do homem, mas usa posse.  Ao cometer adultério a esposa estava depreciando as posses do marido, enquanto o marido ao cometê-lo, estava depreciando as posses de outro homem".  Assim, o homem só cometia adultério se a mulher com quem mantivesse relação sexual fosse casada, pois assim estaria violando os bens de outro homem.

No entanto, "o ensinamento de Jesus revoga esse privilegiado conceito masculino de adultério.  Também revoga a poligamia, que os judeus julgavam ter sido outorgada por Deus".  (idem ibidem  p.46-47)  Pode-se afirmar, portanto, que apesar de a igreja ter em Jesus a sua figura central, não segue necessariamente seus ensinamentos, especialmente quando esses não vão de encontro aos interesses dela.

Assim, apesar de ter sido Jesus um defensor das mulheres, os líderes da igreja mantêm sua convicção de que os homens são criaturas superiores às mulheres, as quais aparentemente têm como única missão perpeturar a espécie:  "Agostinho, que era particularmente convencido da inferioridade das mulheres, afirmava que na solidão um homem significa mais para outro homem do que uma mulher.
(idem, ibidem p.67)

O principal representante do cristianismo, o próprio Cristo, todavia, tem uma relação bem diferente dessa inistentemente repetida por esses grandes nomes da cristandade.  Jesus, de acordo com os evangelhos, diversas vezes dirigiu-se a mulheres tendo por elas grande consideração:

Aos olhos dos próprios discípulos a abertura de Jesus para com as mulheres era incomum.  Pede de beber a mulher samaritana à beira de um poço e conversa com ela,  embora judeus tivessem relações hostis com os samaritanos.  (Jô 4,47)  (idem ibidem p.133)

A igreja tem manipulado inclusive a história bíblica em prol de seus interesses, como é possível observar em relação à virgindade de Maria: "(...) a virgindade não foi valorizada porque Maria sempre foi virgem, pelo contrário: Maria foi transformada numa virgem perpétua porque a virgindade era muitíssimo valorizadea".  (idem, ibidem p.74)

A teóloga Uta Ranke-Heinemann ironicamente explica ainda que, agradar os interesses dos líderes da igreja, até "o auge da libido feminina evidentemente segue o conselho dos cientistas.  O auge da libido é uma construção dos moralistas, e as mulheres o localizam onde é mais recomendável, ou então onde e quando é proibido, caso a mulher não deseje engravidar: as proibições também estimulam a libido".     (1996: p.85)

Outra explicação para a soberania masculina na sociedade vem de Aristóteles:

O ponto de vista prevalente na Antiguidade foi a noção de Aristóteles de que a alma do feto masculino só ocorria depois de quarenta dias da concepção, enquanto o feto feminino a adquiria só noventa dias depois.  Antes o feto tinha primeiro uma alma vegetal e só então uma alma animal.  Essa diferença temporal na gênese da alma do homem e da mulher não seria apenas uma questão cronólogica mas de qualidade humana, já que a alma pertence antes ao homem e só depois à mulher.  A alma, ou seja, a essência da humanidade, é algo mais masculino do que feminino.  (RANKE-HEINEMANN, 1996: p.87)

Com essas teorias difundidas desde os primeiros séculos da era cristã por estudiosos e filósofos respeitados reforçando o preconceito crescente em relação à mulher e à sexualidade, não é de se estranhar a atual situação da mulher na sociedade e a constante luta que precisa travar em busca de seu espaço.  A literatura tem, de certa forma, sido um meio de expressão dessa luta.

Grandes nomes como Tomás de Aquino, que também aprova as ideias de Agostinho, colaboraram para que a igreja assumisse uma posição pessimista em relação à mulher:

Não vejo qu espécie de auxílio a mulher deveria prestar ao homem, caso se exclua a finalidade da procriação.  Se a mulher não foi dda ao homem para ajudá-lo a gerar filhos, para que mais serviria?  Para cultivarem a terra juntos?  Se fosse necessária ajuda para isso, m homem seria de melhor auxílio para outro homem.  O mesmo se há de dizer para o conforto e a solidão.  Pois muito maior o prazer para a vida e para a conversa quando dois amigos vivem juntos do que quando homem e mulher coabitam.  (De Genesi ad litteram: 9,5-9) (RANKE-HEIMANN: 1996: P.101)

Não há mesmo como discordar de personagens tão importantes na história, homens que fortalecem a crença na inferioridade da mulher, comprovando "cientificamente" suas ideias.  De acordo com estes pensadores, a mulher tem a única finalidade de procriar, sendo que para outras atividades um homem é melhor companheiro para outro homem.  Isso explica a aversão da igreja ao sexo, o qual deve ser feito exclusivamente com o propósito da reprodução, o que é coerente com sua posição contrária aos métodos anticoncepcionais.

Os conflitos gerados por séculos de repressão e talvez algumas conquistas formam também um campo fértil para a literatura.  Sabe-se que muitos autores, alguns dos quais já citados aqui, têm criado enredos riquíssimos em torno desse tema.  Nessa pesquisa, no entanto, será analisado apenas o conto"Virgem louca, loucos beijos, encontrado em obre homônima do escritor curitibano Dalton Trevisan.  Neste conto o autor explora a personagem feminia refletindo crenças e preconceitos sociais construídos com base emuma moral cristã cujas raízes foram esboçadas neste capítulo.

Segue, portanto, a análise da construção da personagem feminina no conto citado e da intertextualidade bíblica presente na obra.

sábado, 4 de junho de 2011

1 - CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL DA OBRA "VIRGEM LOUCA, LOUCOS BEIJOS", DE DALTON TREVISAN

1.1 - Virgem Imprudente

Dalton Trevisan, escritor curitibano conhecido pelo estilo conciso de escrita, pelos estereótipos João e Maria e pelo recorrente uso da cidade de Curitiba como pano de fundo de seus contos, apresenta com "Virgem Louca, Loucos Beijos" uma exceção em sua obra, contendo ao todo cinquenta páginas e podendo, portanto, ser considerada como pequena novela.

Além da extensão do texto, Trevisan recorre ao uso de uma alcunha, "Mirinha", para designar a personagem que protagoniza o conto, Maria, que apenas uma única vez em todo o texto é chamada pelo nome, e por isso parece ser mais uma exceção dentro da obra (TREVISAN, 1979: p.18):

          A mulher descobre, furiosa.  Uma cena terrível diante dos filhos.
          - Aquela corruíra nanica.
          De tarde a dona surge no escritório.
          - Você que é a Maria?
          - Sim, senhora.
          - Onde você mora?
          - Com meus pais.

Mirinha, contrariando os finais infelizes aos quais o autor é adepto, renasce para a vida, socialmente aceita  e correta, legando para si própria o que Joan Scott afirma em "Gênero, uma categoria útil para análise" (1990: p.13), "o destino cultural imposto à mulher numa sociedade patriarcal".

Entretanto, Roseli Bodnar Rosalino, em sua dissertação de mestrado intitulada Dalton Trevisan e o projeto minimalista  (2002: p.115) analisa o mesmo conto, "Virgem Louca, Loucos Beijos", e, apesar de não ter realizado uma leitura voltada para a intertextualidade bíblica presente na obra, afirma que, em Dalton: "contrariando os finais felizes, a narrativa termina com a morte da protagonista, o fim do relacionamento ou uma situação cíclica".

No conto em questão, ocorre a situação cíclica, pois se entende por morte o fim de todas as possibilidades, a anulação completa do indivíduo, a perda da identidade, o fim da vida.  O que ocorre no conto em questão, tendo em vista que Mirinha enfrenta todas as dificuldades, consegue ser novamente aceita como membro de uma sociedade e é recebida no seio da família, é que se fecha assim um ciclo e recomeça sua vida, mas para isso precisa anular sua identidade, negando seu passado (TREVISAN, 1979: P.58):

          - Falei com teu pai.  Os dois pensamos bem.
          - Posso voltar
          - Tem uma condição.
          - ...
          - Começa vida nova.

É válido lembrar que o conto, além de servir de título ao livro, atualiza uma abordagem bíblica, sua publicação é datada do final da década de setenta; e segundo Scott (1990: p.13) "época essa que social e culturalmente as mulheres já recusam, ainda que com dificuldade, a construção hierárquica entre masculino e feminino e tentam reverter a diferença sexual".

Mas a protagonista Mirinha, jovem e virgem, é fruto de uma geração na qual a educação sexual era algo vergonhoso e por isso inexistente, o que por sua vez deu origem a uma vida miserável de sofrimentos e frustrações, consequencia da falta de diálogo familiar, além do diálogo instrutivo.

Por outro lado, para João, casado, pai de quatro filhos, manter um relacionamento passional com uma bela e jovem funcionária sem ter que abandonar a família é cômodo, símbolo de status,  mostra de virilidade (TREVISAN, 1979: P.11):

          - Minha mulher não me compreende.  Mais nada entre nós.  Fez da minha vida um inferno.  Só de pena dos filhos não me separo.
          O primerio beijo roubado.
          - Tão carente de amor.  Estou perdido por você.  Teu futuro é ao meu lado.  Aqui na firma.  Não atrás de um balcão.
         No segundo beijo com a mão direita no pequeno seio.  De tanta pena - não sofre demais com a  mulher?  - a menina começa a gostar de João.
          - Ninguém pode saber.  Tudo será diferente.  Um segredo entre nós dois.
          Daí ela chora muito. João tem mulher - ai, que antipática - e quatro filhos, de um a sete anos.
         - Você é a moça que eu quero.

Todavia, tem-se aí a representação da miséria que há nos subterrâneos do espaço social aparentemente imaculado"  (SANCHES NETO, 1996): p.45), porque ao abordar temas como sexo e adultério, Trevisan denuncia dogmas sociais e morais, entrando em conflito com a moralidade hipócrita que é ditada pela sociedade curitibana, pano de fundo da trama, mas que não são na verdade questões universais.  É sobre Curitiba, portanto, que se discorrerá um pouco mais no item sequente.


1.2 Curitiba - Cidade Modelo

 A cidade de Curitiba, ambientação constante nas obras de Dalton Trevisan, embora ficcional, tem como referência a cidade real, e a partir dela os temas para a escrita são retirados do cotidiano, mas com a sutileza trevisânica, ressignificados.

Cabe aqui lembrar Umberto Eco (1994: p.91) ao afirmar que:

          na verdade, os mundos ficcionais são parasitas do mundo real, porém, são com efeito:      
          "pequenos mundos que delimitam a maior parte de nossa competência do mundo real e
          permitem que nos concentremos num mundo finito, fechado, muito semelhante ao nosso,
          embora ontologicamente mas pobre.

Tendo em vista que, por tratar-se de um mundo ficcional, pode-se dizer que a Curitiba de Dalton e suas personagens são recortes da Curitiba real, contam histórias, relatam fatos, e apresentam sitações que se assemelham.

A cidade de Curitiba, real, é considerada, por muitos, cidade modelo, capital de Primeiro Mundo e traz na letra de seu hino, a exemplo de todos os hinos patrióticos, dizeres enaltecedores como: "Curitiba tem a imagem dum paraíso na terra, linda joia, pérola deste planalto, jardim luz".  (ROSALINO, 2002: p.74)

Indaga-se, entretanto, que paraíso é esse se a Curitiba retratada por Dalton Trevisan em suas narrativas traz mostras de um ambiente social com suas relações desgastadas e descontrói as imagens  pré-fabricadas de capital ecológica ou cidade de Primeiro mundo?

Dennison de Oliveira (200: p.192) afirma que "o sucessok assim como o fracasso, também traz problemas" e talvez seja em função disso que Trevisan apresente a cidade em questão  como sendo uma "cidade duplex, que encarna as contradições de uma sociedade onde o primitivo mina os anseios burgueses de progresso".  (SANCHES NETO, 1996: p.21)

Curitiba é, assim, uma cidade em que os conflitos narrados por Trevisan cabem perfeitamente, pois há a representação dos burgueses através da família da protagonista e até do próprio João, que oferece em si mesmo a caracterização perfeita dessas contradições: pai de família, que respeita seu próprio pai, mas vive um caso com Mirinha, e chega quase a matá-la por ciúmes.

Ainda segundo Dennison Oliveira (2000: p.188), "Curitiba é a região metropolitana que tem menos pobres do Brasil" e "foi eleita pelo Ministério do Interior em meados da década de 70 para se constituir em estudo de caso de uma investigação que permitisse definir os fatores necessários ao sucesso da prática urbanística". (2000-: p.32)

Acredita-se, todavia, que para incorporar o epíteto de "capital de qualidade de vida" não basta investir no planejamento de práticas urbanísticas de sucesso e manter nas periferias a pobreza, ainda que em menor número, é preciso ir mais além.

Para Sanches Neto (1996: p.20) a Curitiba retratada na ficção trevisânica tem traços de cidade grande, mas "a anulação do indivíduo e a hegemonia da multidão acabam criando um cenário caracterizado pelo anonimato".  O que por sua vez a distancia do epíteto de "capital de qualidade de vida", termo esse usado para identificar a Curitiba real, mas que ao longo das narrativasde Dalton vai sendo desconstruído.

É válido lembrar a única passagem do conto em que há a referência direta à Curitiba, que deixa mostras de um cenário decrépito e com personagens que se anulam na multidão.  "Por uma semana esperava-o em vão.  À noite liga a radiola e a tevê no maior volume.  Arrasta as poltronas daqui para lá.  Bebe e atira as garrafas na capota dos carros.  Nua diante da janela, que uivem os tarados de Curitiba".  (TREVISAN, 1979: P.31)

A partir da desconstrução que Dalton faz da Curitiba modelo em suas narrativas é possível verificar a existência de uma outra cidade, "feia, suja, pobre, marginal e além de tudo sangrenta" (ROSALINO, 2002: p.81)


1.3 - Dalton Trevisan - Artesão das palavras

Jonathan Culler em "Teoria literária, uma introdução" (1999: p.43), afirma que "a estrutura das obras literárias é tal que é mais fácil considerar que elas contam sobre a 'condição humana' em geral do que especificar que categorias mais restritas elas descrevem ou iluminam".

E é por isso, talvez, que alguns leitores de Dalton Trevisan acreditem que o autor não mude sua escrita, pois escreve com pequenas variações, sempre sobre a condição humana e as problemáticas por ela encarnadas.  Além disso, o que se deve considerar também "é nossa tendência em construir a vida como um romance, ou vice-versa".  (ECO, 1995: p.80)

Benedict Anderson apud Culler (1999: p43) constata que "a ficção filtra-se silenciosa e continuamente na realidade", o que é possível verifica nas obras de Trevisan, o curitibano que tem com primazia a retirada de flashes  do cotidiano para criar suas narrativas e, por meio desse aguçado de caçador/colecionador de acontecimento apresenta na sua ficcionalidade uma relação tão tênue com o real que o leitor acredita conhecer os personagens ou o fato relatado.

Mas isso faz parte de um projeto estético, pois ao trabalhar os mesmos temas, em sua maioria filtrados de cenas do cotidiano, a mesma cidade, os mesmos personagens, Dalton Trevisan deixa lacunas em sua narrativa para que o leitor funcione como co-autor e co-produtor do texto.

Ainda segudo Culler (1999: p.44) "a literatura é vista como um tipo especial de escrita, como um objeto estético desligado de propósitos práticos e indunzindo tipos particulares de reflexão e identificações.  E, em se tratando de textos narrativos, eles podem até não ter enredo, mas é impossível que não tenham história ou discurso.  Vale lembrar que em toda a obra de ficção o discurso emite sugestões e que é o leitor quem deve responder às questões suscitadas, refletir sobre o escrito e completar lacunas, muitas vezes identificando-se com fatos ou personagens.

Todavia, quanto à literatura, Culler (1999: p.46) ainda diz que:

          uma obra literária pode ridicularizar, parodiar qualquer ortodoxia, crença, valor, imaginar   
          alguma ficção diferente e monstruosa... a literatura é a possibilidade de exceder
          ficcionalmente o que foi pensado ou escrito anteriormente... é uma instituição que vive de
         expor e criticar seus próprios limites, de testar o que acontecerá se escrevermos de modo
         diferente.

Dalton Trevisan caracteriza-se também  por usar a literatura para ridicularizar, redizer o que já foi dito, fazer recortes e usos da intertextualidade e da intratextualidade e, com isso consegue resultados surpreendentes e de certa forma, muitas vezes imprevistos.

Como já foi abordado anteriormente, faz parte do projeto estético de Trevisan privilegiar seu leitor com recortes feitos do real para a ficção, transformando suas narrativas nos ruídos da cultura do meio sobre o qual escreve. 

Umberto Eco (1995), entretanto, comenta que os leitores precisam conhecer muitas coisas do mundo real, para tê-lo como pano de fundo do ficcional e também para poder admirar as produções esteticamente aprimoradas.

Para Wilson Martins, crítico literário, apud Rosalino (2002: p.9),  Trevisan criou um estilo pessoal e muito peculiar de narrativa, por isso ocupa lugar de destaque e à parte no conto brasileiro contemporâneo, além de ser facilmente identificado por seus leitores pela sua capacidade artística de escrita, que permite descobertas e novos sentidos para o universo fragmentário do cotidiano e reflete o caos de uma sociedade confusa, hipócrita e aparentemente imaculada.  Parece que Dalton Trevisan sente um certo prazer ao apresentar a seus leitores ações torpes e condenáveis.

Michel Foucault em  O que é um autor? apud Rosalino (2002: p.47) afirma que "deveriam ser excluídas as obras de um autor que estivessem escritas num estilo diferente daquele costumeiramente por ele usado", e ainda "que o autor possui certa unidade na escrita".

Essa unidade na escrita é tão visível nas obras de Dalton Trevisan que o próprio autor em uma de suas obras se questiona "há que de anos escreve ele o mesmo conto? Com pequenas variações, sempre o único João, a mesma bendita Maria", frase utilizada por Rosalino na apresentação de sua dissertação de mestrado.  Muda-se a carne, permanece inalterado o esqueleto, como um eixo norteador, que tem por finalidade não se alterar, justamente para que o leitor possa perceber que os problemas continuam os mesmos, que a essência não muda, por mais que passe o tempo.

A opção de Dalton por trabalhar a escrita como um aproveitamento de tudo que ouve, vê e seleciona, principalmente do universo periférico, lapidando linguagens estereotipadas faz dele um bricoleur.

Segundo Rosalino (2002: p.18)

          o bricoleur está apto para executar um grande número de tarefas diferentes, mas sempre
          lembrando que seu universo instrumental é fechado e que o artista deve trabalhar com o
         conjutno de elementos fragmentários que ele já possui, podendo renovar e enriquecer o seu 
         estoque ou conservá-lo com o que sobrou das construções e desruições anteriores.

Da narrativa daltoniana pode-se dizer, portanto, que é um duplo bricolage,  pois Trevisan se apropria não só de linguagens alheias como da sua própria; selecionando, recortando e colando novamente, tanto o trabalho da crítica sobre sua obra quanto fragmentos de seus contos, que servirão de arsenal para novos escritos.

Trevisan, eterno insatisfeito confesso de sua obra, é adepto da estética minimalista, no que se refere às tecnicas narrativas, lança mão para isso de vários artifícios como: o erótico, o kitsch e o grotesco, mantendo uma relação muito próxima com os meios de comuniação de massa.

Na narrativa minimalista daltoniana a linguagem utilizada é de forma direta, enxuta, restrita e beira ao chulo.  Entretanto, segundo Rosalino (2002: p22) "a economia vocabular e o texto enxuto não representam falta de riqueza na obra, ao contrário, manifestam o poder que cada palavra detêm quando bem escolhida e alocada".

A narrativa minimalista do autor é certamente fruto de acurada elaboração, pois o minimalismo é uma arte de economia de meio, o que não quer dizer, no entanto economia de trabalho, tendo em visa que para atingir a pureza das formas torna-se necessária intensa elaboração, e no caso de Dalton a própria reelaboração.